dezembro 02, 2010

IPATY: O CURUMIM DA SELVA


Em 2011 será lançado este livro de Ely Macuxi, descendente do povo indígena Macuxi, que imediatamente faz lembrar a controvérsia em torno da demarcação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol, no Estado de Roraima, que durante anos consumiu muitas vidas, mobilizando sempre a atenção e a reflexão renovada de muitos brasileiros e estrangeiros. Na área demarcada – formada por imensas planícies aparentadas ao cerrado e cadeias de montanhas, na fronteira entre Brasil, Venezuela e Guiana – vivem cerca de vinte mil indígenas, sobretudo da etnia Macuxi. Além dos Wapixana, Ingarikó, Taurepang, entre outros.


Desde 2009, quando estivemos juntos na FLIMT em Cuiabá, Ely e eu imaginamos essa parceria editorial. E a Editora Paulinas nos deu enfim essa alegria. Pude então ilustrar as aventuras do curumim Ipaty, ou uma série de episódios típicos do cotidiano daquela região serrana, entre o cerrado e a floresta, às margens das àguas transparentes e refrescantes. Onde é tão quente no verão que, segundo o autor, as aves voam só com uma asa enquanto se abanam com a outra!


Ely epuinen amîrî? Perguntei em macuxi, língua nativa do tronco Karib. Traduzindo: você conhece o Ely? Pois Ely Ribeiro de Souza é índio Macuxi, professor concursado de História da rede pública de ensino em Manaus, ex-gerente de Educação Escolar Indígena na Secretaria Municipal de Educação, docente de antropologia na UNINTER e assessor de diversas organizações indígenas no Amazonas: Coiab, Copiam, CEEEI, Amarn, Wotchimaucu. Graduado em Filosofia, com Mestrado em Sociedade e Cultura na Amazônia e especialização em Gestão e Etnodesenvolvimento, ambos na UFAM – Universidade Federal do Amazonas.

setembro 27, 2010

ZERO: 35 ANOS

O escritor Ignácio de Loyola Brandão celebra os 35 anos da publicação de Zero, uma das obras mais comentadas da literatura brasileira na segunda metade do século XX, sempre presente nas listas dos cem melhores livros do século. No projeto gráfico da edição comemorativa, encomendado pela Global Editora, fizemos um furo na capa dura que ao leitor dá acesso às vinte capas de todas as edições publicadas no Brasil e no exterior, e também aos bastidores do livro. Cem páginas extras contam como e porque Zero foi escrito, bem como a sua trajetória internacional, a proibição, o sucesso e o impacto de sua estrutura de videoclip literário.

Há 35 anos Zero continua a marcar presença nas livrarias e é fonte de discussões em escolas de ensino médio, universidades e em eventos literários. Zero projetou Loyola em âmbito nacional e internacional. Para muitos críticos, trata-se da obra que melhor traduz nossos anos de chumbo. Desde quando foi liberado pela censura, em 1979, foram dez edições vendidas no Brasil, além das traduções para o alemão, coreano, espanhol, húngaro, inglês e tcheco. Zero provoca leitores de todas as gerações.






agosto 24, 2010

TEMPO DE CAJU


Final de agosto. Os cajueiros estão prestes desabrochar com as chuvas de maturi. Os Tupibambá atravessam uma lagoa de águas turvas sob a chuva. Enquanto isso, aguardamos a segunda edição impressa dessa história de um curumim apaixonado por caju, que tive o gosto de ilustrar. O livro integra agora a coleção Hora Viva, da Editora Positivo, e foi escrita com delicadeza e vitamina C pela cearense Socorro Acioli. Sua ficção, que mostra o relacionamento entre o avô Tamandaré e seu neto Porã, traz uma reflexão sobre o tempo, sobre os ciclos naturais e as transformações da vida.


Antes de começar a rabiscar, para entrar no clima da obra, fui xeretar um cajueiro frondoso que fica aqui pela vizinhança. Quando é tempo de caju, costuma ficar carregado e perfumado. Apanhei algumas folhas e a partir delas comecei a imaginar um entrelaçamento entre os reinos, embaralhando folhas, penas, asas e sementes. Porã adormece tranquilo aninhado na copa de um cajueiro. A primeira edição do livro, pela Secretaria da Educação do Estado do Ceará, foi ilustrada pelo Daniel Diaz, colega associado da SIB, para o Programa Alfabetização na Idade Certa PAIC.

julho 27, 2010

100 ANOS DE CLAUDE LÉVI-STRAUSS

O célebre etnógrafo belga faleceu no ano passado, após completar um século de vida. Utilizava um febril sistema de pesquisa, monasticamente e embriagado de mitos, vivendo entre os indígenas que estudava. Entre 1960 e 1970 compilou centenas de narrativas, que formaram a base para o seu entendimento da condição humana. Viveu quatro anos no Brasil e colaborou na fundação da Universidade de São Paulo.


No livro O CRU E O COZIDO, referência principal que adotei para fazer esta ilustração para revista BIONestlé, Lévi-Strauss se debruça sobre os mitos seminais dos povos indígenas que conheceu no Brasil. O subtítulo da obra – representações míticas da passagem da natureza à cultura – dimensiona a importância da alimentação quanto à distinção entre animais e seres humanos. Todos os mitos que reuniu nesse livro falam da descoberta ou do manejo do fogo por diversos povos indígenas. Ou seja, tratam do momento em que deixamos de comer cru, metáfora da natureza, e adotamos o fogo, ou cultura em última análise. Mais adiante, pela evolução de suas reflexões, chega a estabelecer inclusive uma classificação entre assado e cozido. Assado como sinônimo de sensual na culinária. Cozido como análogo ao que é nutritivo. O modo de preparo e a fartura dos alimentos também foram observados. Para ele, comida boa e farta seria um antídoto contra a fome e o medo. E a sofisticação nas receitas, portanto, sinalizaria uma maior ordem social. Por mais universal que desejasse ser, Lévi-Strauss não escapou de sua própria cultura. Ou da influência das sua perspectiva européia. Analisou outros povos a partir do que comiam, vestiam e agiam. Sem alcançar a imparcialidade plena, algo provavelmente impossível a toda e qualquer análise. Mesmo à científica, que sempre terá um ponto de partida e referência.

junho 02, 2010

ÓPERA BRASIL DE EMBOLADA

Convidado pela Pallas, eu e Eduardo Okuno cuidamos do projeto gráfico do poema multiforme do Rodrigo Bittencourt. Para criar as imagens, parti das suas tantas sugestões, associações, trocadilhos e referências. Encarei o texto como uma letra de canção. Dessa maneira, o papel da música coube às ilustrações. O livro será lançado no 12º Salão FNLIJ para Crianças e Jovens, no Rio de Janeiro.

Acima uma justa homenagem ao Chico Buarque, nosso Bob Dylan, nas palavras do autor. E também ao genial baiano Dorival Caymmi, no canto superior direito. O inesquecível Garrincha, trickster do visgo do improviso e da beleza improvável, mereceu uma página dupla.



Rodrigo Bittencourt é um Zé Pilintra das artes, quizomba ambulante, Exu rock’n’roll. Misto de poeta, agitador cultural, compositor e apresentador de tv, cabe tudo no balaio do homem, brasileiro brasileiríssimo que é. Depois de se embrenhar em todos esses redemoinhos de Saci, eis que agora ele saca esta opereta pop, este samba-exaltação do crioulo doido, esta ode graciosa ao “mulato inzoneiro” Brasil, com jeito de conto de Sherazade cabocla, Irmãos Grimm do cerrado, cordel mp3, conto da Carochinha delirante.

Escrito para crianças dos 4 aos 84, Ópera Brasil de Embolada é um passeio pelas belezas e mazelas do nosso caldeirão cultural fervente, onde, em se plantando, tudo sempre deu e dá. Elegia alegórica da miscigenação, acaba por ser, mesmo sem querer, informativo e educador, ao traçar um painel multicolorido (e caótico, como o nosso país afinal!) das artes tupiniquins de (quase) todos os tempos.

Aquarela do Brasil partida em pedaços, playmobil de casa grande & senzala, a escrita de Rodrigo tem lirismo e loucura, carnaval e decadência, ritual e sátira, folia e lucidez. Macunaíma que foi à escola, Malasartes beatnik, Policarpo Quaresma funkeiro, o cara mistura lé com cré e zás e trás com cousa & lousa e etc e tal. O resultado é uma leitura saborosa e leve, onde o Brasil reluz como nação iluminada do futuro, não por obra de políticos e tecnocratas, mas unicamente pelas mãos e milagres de seus artistas e de seu povo.

Evoé, saravá, salamaleicon!

Zeca Baleiro
São Luís, 7 de maio de 2010

maio 27, 2010

AKPALÔ: HISTÓRIA E MÚSICA


Há algum tempo não fazia ilustrações para obras didáticas. Aceitei o convite da Editora do Brasil para produzir as capas de cinco títulos para estudantes do 1º ao 5º ano. A coleção se chama AKPALÔ que, em nagô, é aquele que conta e guarda de memória as histórias de seu povo. Fiquei encarregado das obras de Aline Correa, da disciplina de História. A partir das especificações prévias, montei diferentes cenas e personagens bem brasileiros. Sempre crianças, reguladas pela idade dos leitores. Cada qual com seu respectivo instrumento musical.

abril 21, 2010

DA BOCA AO PAPEL


Os contos folclóricos, coletados em 2005 e reunidos nesta coletânea, mais do que o esforço de preservação das nossas tradições populares, são peças de raro brilho literário. Alguns encontram ressonância na Índia dos Vedas; outros, no Egito dos faraós. Há, ainda, os que trazem retalhos da mitologia greco-romana ou de narrativas da Bíblia. Portanto, é impossível pôr em dúvida sua “ancianidade veneranda”, como costumava dizer mestre Câmara Cascudo. Diversão para crianças, entretenimento para os adultos após o trabalho, o conto folclórico conserva, também, informações de hábitos, costumes, ritos e mitos aparentemente desaparecidos ou esquecidos.


Com um gravador em mãos, o escritor, editor e cordelista Marco Haurélio foi a campo para registrar parte do patrimônio imaterial brasileiro. Pois o saboroso resultado de sua pesquisa está registrado na caprichada edição da Paulus, que tive o prazer de ilustrar e cuidar do projeto gráfico. Motivado pelo desafio, desenvolvi também uma fonte especialmente para a edição.


Um variedade de contos de animais, de encantamento, religiosos, acumulativos, novelescos, humorísticos e de exemplo integram a coleânea. As notas e a classificação ficaram a cargo do Dr. Paulo Correia, do conceituado Centro de Estudos Ataíde Oliveira, da Universidade do Algarve, Portugal. Na ilustração de página dupla acima misturam-se personagens e passagens de contos maravilhosos. Na dupla abaixo, o mesmo expediente foi adotado para ilustrar os contos de exemplo.


Diz o autor: "A partir de uma recolha feita no sertão da Bahia, numa área que abrange desde o Médio São Francisco (Serra do Ramalho) até a Serra Geral (Brumado), foi organizada uma antologia de contos populares. O trabalho tornou possível a preservação das histórias de minha infância, contadas por D. Luzia (minha avó), como Belisfronte (já vertida para o cordel), Guime e Guimar, Maria Borralheira e A Mentirosa. Os contos de D. Luzia foram relembrados por Valdi Fernandes Farias (meu pai) e Isaulite Fernandes Farias (Tia Lili). Dentre os narradores estão D. Jesuína Pereira Magalhães, nascida em 1915, e D. Maria Rosa Fróes, de Brumado, que em 2005, época da recolha, contava 87 janeiros de sabedoria."

Dia 5 de maio, quarta-feira, a partir das 19h.
Local: Livraria Cortez
Rua Bartira, 317 - Perdizes
Tel.: (11) 3873-7111
São Paulo — SP

março 01, 2010


Para a ABECIP (Associação Brasileira das Entidades de Crédito Imobiliário e Poupança) produzimos, uma vez mais, a Identidade Visual do III Prêmio de Monografia em Crédito Imobiliário e Poupança. O concurso, aberto a profissionais e universitários, premiará as melhores monografias em dois temas: alternativas de funding e sistemas de amortização. A ilustração costura os dois temas, relacionados à questão do investimento imobiliário.

fevereiro 26, 2010

CADEIRAS PROIBIDAS


Nos anos 1970, Loyola escrevia crônicas para o Jornal Última Hora. Durante a ditadura, desconfiava-se de tudo e de todos. Sob tal tensão, seus textos viravam contos. Irônicos, cínicos, irreverentes, loucos, críticos, absurdos, profundos. Homens que viram barbantes. Mulheres que contam janelas. Gente que atravessa vidros. Um big-brother poético. O de Orwell, naturalmente. Achei interessante explorar o nonsense geométrico e as ilusões de ótica, à maneira do holandês Escher. Evitei assim explicitar a violência e a repressão. Somente insinuando o real. Na mesma levada dos contos.

fevereiro 11, 2010

HISTÓRIAS INDÍGENAS DE ASSUSTAR


Finalizando a trilogia de narrativas nativas, recontadas pelo escritor Daniel Munduruku , a Global em breve lançará o livro A CAVEIRA ROLANTE, A MULHER LESMA E OUTRAS HISTÓRIAS INDÍGENAS DE ASSUSTAR. Depois de ilustrar os dois primeiros títulos da premiada antologia, que trazem histórias de amor e de origem, tive agora a oportunidade de ilustrar personagens e enredos soturnos, patrimônio cultural dos povos Tukano, Tembé, Karajá, Macurap e Ajuru.


As histórias aqui recontadas pelo Daniel enfatizam o papel estratégico do medo na construção dos sentidos e na sobrevivência humana. Além da mistura de tinturas naturais com anilinas, que adoto com frequência, também utilizei elementos tridimensionais na confecção das ilustrações. Certas pirogravuras levam sementes, espinhos, palha de milho, folhas, raízes, xaxim de côco, madeira, penugem, casca de fruta ou até pipocas. Licença poética à parte, formas e grafismos foram referenciados pelas respectivas culturas originais. O fotógrafo Miguel Chaves fez a captura final das imagens.

fevereiro 02, 2010

ALMANAQUE BRASIL

Dia 2 de fevereiro é dia de festa no mar. Saudações à rainha das águas! A carranca pirogravada – fogo e água – estará na próxima capa da Almanaque Brasil.

A nova edição da revista de bordo da TAM trará a história da navegação brasileira como tema principal: os barcos indígenas, jangadas e canoas, a surpresa dos primeiros europeus ao conhecer as sofisticadas formas de navegação dos nativos, a influência tecnológica estrangeira, nossa tradição marítima e fluvial, as comunidades pesqueiras, gente do mar como João Cândido e Amir Klynk e, claro, as singulares carrancas do rio São Francisco.

Talvez tais figuras de proa fossem feitas, a princípio, com um objetivo comercial. Por volta de 1888, os ribeirinhos dependiam do transporte de mercadorias pelo rio. E os barqueiros buscavam chamar a atenção do povo para suas embarcações. Aos poucos, atribuiu-se às carrancas a propriedade de afugentar maus espíritos e caboclos d'água. Admirável expressão artística popular brasileira, as carrancas são horrendas e belas.